TRATADO DE MADRI
D. João V (Portugal) / D. Fernando VI (Espanha) - 13.Janeiro.1750 -
Os sereníssimos reis de Portugal e Espanha, desejando eficazmente
consolidar e estreitar a sincera e cordial amizade . . .
e particularmente os que se podem oferecer com o motivo dos limites
das duas Coroas na América, cujas conquistas se tem adiantado com
incerteza e dúvida, por se não haverem averiguado até agora
os verdadeiros limites daqueles domínios, ou a paragem donde
se há de imaginar a Linha Divisória, . . .
Por parte da Coroa de Portugal, se alegava que havendo de
contar-se os 180º de sua demarcação, desde a linha para o Oriente,
ficando para Espanha os outros 180º para Ocidente; . . .
contudo, se acha, conforme as observações mais exatas e
modernas dos astronomos . . .
se estende o domínio espanhol na extremidade Asiática do mar do sul,
muito mais graus que os 180º da sua demarcação; e, por conseguinte,
tem ocupado muito maior espaço do que pode importar qualquer
excesso que se atribua aos portugueses, no que talvez terão
ocupado na América meridional, ao Ocidente da mesma Linha, . . .
Também se alegava que pela Escritura de venda, com pacto de
retrovenda, outorgada pelos procuradores das duas Coroas, em Saragoça,
a 22 de abril de 1529, vendeu a Coroa da Espanha à Portugal
tudo o que por qualquer via ou direito lhe pertencesse ao
ocidente de outra Linha Meridiana, imaginada pelas Ilhas
das Velas, situadas no mar do sul, a 17 gráus de distancia de
Molucas . . .
Que, sem embargo desta convenção, foram depois os espanhóis a
descobrir as Filipinas, . . .
Quanto ao território da margem setentrional do rio da Prata,
alegava que, com o motivo da fundação da colônia do Sacramento,
se excitou uma disputa entre as duas corôas sobre limites;
a saber, se as terras, em que se fundou aquela praça, estavam
ao oriente, ou ao ocidente da linha divisóri, determinada em
Tordelillas; . . .
Que tocando aquele territória a Portugal por título diverso
da linha divisória determinada em Tordesillas, isto é, pela
transação feita no tratado de Utrecht (de 1715) . . .
Por parte da corôa de Espanha se alegava que, havendo de
imaginar-se a linha de norte a sul a 370 léguas ao poente das
ilhas de Cabo Verde, . . . e ainda que por não estar
declarado de qual das ilhas de Cabo Verde se hão de começar a
contar as 370 léguas, . . . e consentindo que se comece
a contar desde a mais ocidental, que chamam de Santo Antão,
apenas poderão chegar as 370 léguas à cidade do Pará . . .
e como a corôa de Portugal tem ocupado as duas margens do rio
dos Amazonas, ou Marañon, subindo até a boca do rio Javarí, . . .
sucedendo o mesmo pelo interior do Brasil com a internação que
fez esta corôa até o Cuiabá e Mato Grosso.
Vistas e examinadas estas razões pelos dous Sereníssimos
Monarcas, . . .
resolveram pôr têrmo às disputas passadas e futuras, e esquecer-se,
e não usar de tôdas as ações e direitos, que possam pertencer-lhes
em virtude dos referidos tratados de Tordesillas, Liboa, Utrecht e da
escritura de Saragoça, ou de outros quaiquer fundamentos, que possam
influir na divisão dos seus domínios por linha meridiana; . . .
Para concluir êste ajuste, e assinalar os limtes, deram os dois
Sereníssimos Reis aos seus ministros, . . .
e seguindo as suas ordens, concordaram no que se contém nos seguintes
artigos:
ART. I
O presente tratado será o único fundamento, e regra, que ao diante
se deverá seguir para a divisão e limites dos dois domínios em toda
a América e na Ásia; . . .
ART. II
As ilhas Filipinas e as adjacentes, que possue a Corôa de Espanha,
lhe pertencerão para sempre, . . .
ART. III
Na mesma forma pertencerá à Corôa de Portugal tudo o que tem ocupado
pelo rio das Amazonas, ou Marañon acima, e o terreno de ambas as margens
dêste rio até as paragens, que abaixo se dirão; como também tudo o que
tem ocupado no distrito de Mato Grosso, e dele para a parte do oriente . . .
ART. IV
Os confins do domínio das duas monarquias principiarão na barra,
que forma na costa do mar o regato que sai ao pé do Monte de Castilhos
Grande, de cuja fralda continuará a fronteira, buscando em linha reta
o mais alto, ou cume dos Montes, cujas vertentes descem por uma
parte para a costa, que corre ao norte do regato, ou para a Lagoa
Merim, ou del Meni; e pela outra para a costa que corre do dito
regato ao sul, ou para o rio da Prata: de sorte que os cumes dos
Montes sirvam de raia do domínio das duas Corôas; e assim continuará a
fronteira até encontrar a origem principal e cabeceiras do rio Negro;
e por cima delas continuará até a origem principal do rio Ibicuí,
prosseguindo pelo álveo deste rio abaixo, até onde desemboca na margem
Oriental do uruguai, ficando de Portugal tôdas as vertentes que baixam
à dita Lagoa ou ao Rio Grande de S. Pedro; e de Espanha, as que baixam
aos rios que vão unir-se com o da Prata.
ART. V
Subirá desde a boca do Ibicuí pelo álveo do Uruguai até encontrar
o do rio rio Pepirí, ou Pequirí, que deságua na margem ocidental
do Uruguai; e continuará pelo álveo do Pepirí acima à sua origem
principal; desde a qual prosseguirá pelo mais alto do terreno
até a cabeceira principal do rio mais visinho que desemboque no rio
grande de Curitiba, por outro nome chamado Iguassú. Pelo álveo
do dito rio mais visinho da origem do Pepirí e depois pelo Iguassú,
ou rio grande de Curitiba, continuará a raia até onde o mesmo Iguassú
desemboca na margem oriental do Paraná; e desde esta boca prosseguirá
pelo álveo do Paraná acima, até onde se lhe ajunta o rio Igureí
pela sua margem ocidental.
ART. VI
Desde a boca do igureí continuará pelo álveo acima até encontrar
a sua origem princiapal: e dalí buscará em linha reta pelo mais
alto do terreno a cabeceira principal do rio mais visinho que deságua
no Paraguai pelo sua margem oriental, talvez será o que chamam
Corrientes, e baixará pelo álveo deste rio até a sua entrada
no Parguai, desde a qual boca subirá pelo canal principal
que deixa o Paraguai em tempo sêco; e pelo seu álveo até encontrar
os pântanos que forma êste rio, chamados a Lagoa dos Xarais,
e atravessando esta Lagoa, até a boca do rio Jaurú.
ART. VII
Desde a boca do Jaurú pela parte ocidental prosseguirá a fronteira
em linha reta até a margem austral do rio Guaporé defronte da
boca do rio Sararé que entra no dito Guaporé pela sua margem setentrional;
com declaração que se os comissários, que se hão de despachar para o
regulamento dos confins nesta parte, na face do país, acharem entre os rios
Jaurú e Guaporé outros rios, ou balizas naturais por onde mais comodamente,
e com maior certeza, se possa assinalar a raia naquela paragem, salvando
sempre a navegação do Jaurú, que deve ser privativa dos portugueses, e o
caminho que êles costumam fazer do Cuiabá para Mato Grosso; os dois Altos
contraentes consentem e aprovam que assim se estabeleça, sem atender a
alguma porção mais ou menos de terreno que possa ficar a uma ou a outra
parte. Desde o lugar que na margem austral do Guaporé for assinalado para
este têrmo da raia, como fica explicado, baixará a fronteira por todo
o curso do rio Guaporé até mais abaixo da sua união com o rio Mamoré
que nasce na província de Santa Cruz de la la Sierra, e atravessa a missão
dos Moxos, e formam juntos o rio chamado da Madeira que entra na
das Amazonas ou Marañon, pela sua margem austral.
ART. VIII
Baixará pelo álveo dêstes dois rios, já unidos, até a paragem
situada em igual distância do dito rio Amazonas ou Marañon, e da
boca do dito Mamoré; e desde aquela paragem continuará por uma
linha leste-oeste até encontrar com a margem oriental do Jvarí que
entra no rio das Amazonas pela sua margem austral; e baixando pelo
álveo do Javarí até onde desemboca no rio das Amazonas ou Marañon
prosseguirá por êste rio abaixo até a boca mais ocidental do Japurá
que desagua nele pela margem setentrional.
ART. IX
Continuará a fronteira pelo meio do rio Japurá, e pelos mais
rios que a êle se ajuntam, e que mais se chegarem ao rumo do norte, até
encontrar o alto da cordilheira de Montes que mediam entre o rio Orenoco
e o das Amazonas ou Marañon; e prosseguirá pelo cume dêstes montes
para o oriente até onde se estender o domínio de uma e outra Monarquia.
As pessoas nomeadas por ambas as Corôas para estabelecer os limites,
conforme o previnido no presente artigo, terão particular cuidado de
assinalar a fronteira nesta parte, subindo pelo álveo da boca mais ocidental
do japurá; de sorte que se deixem cobertos os estabelecimentos que
atualmente tiverem os portugueses nas margens dêste rio e do Negro,
como também a comunicação ou canal de que se servem entre êstes dois
rios; e que se não dê lugar a que os espanhóis com pretexto ou
interpretação alguma, possam introduzir-se neles, nem na dita comunicação;
nem os portugueses subir para o rio Orenoco, nem estender-se para as
províncias povoadas por Espanha, nem para os despovoados que lhe hão de
pertencer conforme os presentes artigos; para o qual efeito assinalarão
os limites pelas Lagoas e Rios, endireitando a linha na raia, quanto
puder ser, para a parte do norte, sem reparar no puco mais ou menos que
fique a uma ou outra Corôa, com tanto que se logrem os fins expressados.
ART. X
Tôdas as ilhas que se acharem em qualquer dos rios por onde há de
passar a raia, conforme o prevenido nos artigos antecedentes, pertencerão
ao domínio a que esiverem mais próximos em tempo sêco.
ART. XI
Ao mesmo tempo que os comissários nomeados por ambas as Corôas forem
assinalando os limites em tôda a fronteira, farão as observações
necessárias para formar um mapa individual de tôda ela, do qual se tirarão
as cópias que parecerem necessárias, firmadas por todos, que se guardarão
pelas duas côestes para o caso que ao diante se ofereça alguma disputa,
pelo motivo de qualquer infração; em cujo caso, e em outro qualquer,
se terão por autênticas, e farão plena prova. E para que se não ofereça a
mais leve dúvida, os referidos comissários porão nome de comum acôrdo
aos rios e montes que o não tiverem, e assinalarão tudo no mapa com a
individuação possível.
ART. XII
Atendendo a conveniência comum das duas nações, e para evitar todo o
gênero de controvérsia para o diante, se estabelecerão e regularão as
mutuas cessões contidas nos artigos seguintes:
ART. XIII
Sua Majestade Fidelíssima, em seu nome e de seus herdeiros e sucessores,
cede para sempre à Corôa de Espanha a Colônia do Sacramento e
todo o seu território . . .
ART. XIV
Sua Majestade Católica, em seu nome e de seus herdeiros e sucessores,
cede para sempre à Corôa de Portugal tudo o que por parte de Espanha se
acha ocupado, ou por qualquer título ou direito possa pertencer-lhe em
qualquer parte das terras que pelos presentes artigos se declaram pertencentes
a Portugal, desde o Monte Castilhos Grande, e sua fralda meridional e costa
do mar até a cabeceira e origem principal do rio Ibicuí; e também cede
toda e quaiquer povoações e estabelecimentos que se tenham feito por
parte de Espanha no ângulo de terras compreendido entre a margem setentrional
do rio Ibicuí e a oriental do uruguai, e as que possam ter-se fundado
na margem oriental do rio Pepirí e a aldeia de Santa Rosa, e outra
qualquer que se possa ter estabelecido por parte de Espanha na margem
oriental do rio Guaporé. E Sua Majestade Fidelíssima cede na mesma forma
à Espanha todo o terreno que corre desde a boca ocidental do rio Japurá,
e fica entre meio do mesmo rio e do das Amazonas ou Marañon, e tôda a
navegação do rio Izá, e tudo o que se segue desde êste último rio para o
ocidente com a aldeia de S. Cristovam, e outro qualquer que por parte de
Portugal se tenha fundado naquele espaço de terras; fazendo-se mútuas entregas
com as qualidades seguintes:
ART. XV
A colônia de Sacramento se entregará por parte de Portugal sem tirar dela . . .
ART. XVI
Das povoações ou aldeias que cede Sua Majetade Católica na margem
oriental do rio Uruguai sairão os missionários com todos os móveis e
efeitos, levando consigo os índios para os aldeiar em outras terras de
Espanha; . . .
ART. XVII
Em consequência da fronteira e limites, determinados nos artigos
antecedentes, ficará para a Corôa de Portugal o Monte de Castilhos Grande
com a sua fralda meridional; e o poderá fortificar, mantendo alí uma guarda,
mas não poderá povoá-lo, . . .
ART. XVIII
A navegação daquela parte dos rios, por onde há de passar a fronteira
será comum às duas nações, . . .
ART. XIX
Em tôda a fronteira será vedado o conrabando, . . .
ART. XX
Para evitar alguns prejuizos, . . . não será lícito a nenhuma das duas
Potências erigir fortificação sôbre os mesmos cumes, nem permitir que os seus
vassalos façam neles povoação alguma.
ART. XXI
Sendo a guerra ocasião principal dos abusos, e motivo de se alterarem
as regras mais bem consertadas, querem Suas Majestades Fidelíssima e
Católica que se (o que Deus não permita) se chegasse a romper entre as duas
Corôas, se mantenham em paz os vassalos de ambas, estabelecidos em tôda a
Améric Meridional, vivendo uns e outros como se não houvera tal guerra entre
os Soberanos, . . .
ART. XXII
Para que se determinem com maior precisão, . . . nomearão ambas as
Majestades, quanto antes, comissários inteligentes; os quais, visitando
tôda a raia, ajustem com a maior distinção e clareza as paragens por onde
há de correr a demarcação, . . .
ART. XXIII
Determinar-se-á entre as duas Majestades o dia em que se hão de fazer
as mútuas entregas da colônia do Sacramento com o território adjacente, e
das terras e povoações compreendidas na cessão que faz Sua Majestade
Católica na margem oriental do rio Uruguai; o qual dia não passará do ano,
depois que se firmar êste tratado . . .
ART. XXIV
Declara-se que as cessões, contidas nos presentes artigos, não se
reputarão como determinado equivalente uma de outras, senão que se
fazem respeitando ao total do que se controvertia e alegava, . . .
ART. XXV
Para mais plena segurança dêste tratado convieram os dois Altos
contraentes em garantir reciprocamente tôda a fronteira e adjacências
de seus domínios na América Meridional, conforme acima fica expressado;
obrigando-se cada um a auxiliar e socorrer o outro contra qualquer
ataque ou invasão, até que com efeito fique na pacífica posse e uso . . .
ART. XXVI
Este tratado, com tôdas as suas cláusulas e determinações será de
perpétuo vigor entre as duas Corôas; de tal sorte que, ainda em caso
(que Deus não permita) que se declarem guerra, ficará firme e invariável
durante a mesma guerra e depois dela, sem que nunca se possa reputar
interrompido nem necessite de revalidar-se.
E presentemente se aprovará, confirmará e ratificará pelos dois
sereníssimos Reis, e se fará a troca das ratificações no têrmo de um
mês, depois da sua data, ou antes se for posível.
Em fé do que, e em virtude das ordens e plenos poderes que nós
abaixo assinados recebemos de nossos amos El-Rei Fidelíssimo de Portugal,
e El-Rei Católico de Espanha, assinamos o presente tratado, e lhe
fizemos pôr o sêlo de nossa armas.
Feito em Madri a 13 de janeiro de 1750.
(L.S.) Visconde Thomaz da Silva Telles.
(L.S.) D. Joseph de Carvajal y Lancaster.
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