SISTEMA TORRENS REFORMA AGRÁRIA E A CARTOGRAFIA

Wilson R.M. Krukoski

Inesplicavelmente, poucas pessoas, ligadas à Cartografia Brasileira, têm familiaridade com o assunto "Registro de Imóveis pelo Sistema Torrens".

Entretanto, o "Sistema Torrens" está ligado à Legislação Brasileira desde 1890 (Decr.341-B; Código do Processo Civil/1973, art. 1218; Lei 6015/1973 dos Registros Públicos); constituindo-se no procedimento de regularização fundiária, de forma homogênea e cartograficamente mais lógica.

É verdade que sua preconização é feita, usando praticamente a mesma terminologia de 1890.

"Art.278-O requerimento será instruído com:
I
-
-
VI - a planta do imóvel, cuja escala poderá variar entre os limites: 1/500 e 1/5.000.

$1 - O levantamento da planta obedecerá as seguintes regras:
a) - empregar-se-ão goniômetros ou outros instrumentos de maior precisão;
b) - a planta será orientada segundo o meridiano do lugar, determinada a declinação magnética;
c) - fixação dos pontos de referência necessários a verificações ulteriores e de marcos especiais, ligados a pontos certos e estáveis nas sedes das propriedades, de maneira que a planta possa incorporar-se à carta geral cadastral.

$2 - às plantas, serão anexados: o memorial e as cadernetas das operações de campo, autenticadas pelo agrimensor."

Porém, se considerarmos a particularidade da necessidade de orientação segundo o meridiano verdadeiro e a ligação à Cartografia Sistemática, verificaremos ser este procedimento muito oportuno (muito melhor do que vem sendo feito normalmente).

É estranho o comportamento da comunidade Jurídica Brasileira, que procura resolver os problemas fundiários, preferencialmente, através de descrições catoriais (memorial descritivo), evitando a solução cartográfica perfeita (Sistema de coordenadas geográficas, ou planas-conforme); que a nosso ver é fundamental para qualquer solução de propriedade rural, e em consequência para qualquer estudo de Reforma Agrária.

Veja por exemplo, os comentários de um grande advogado, expert na Sistemática de Registro de Imóveis, Dr. J.Paiva, em seu libro "A Nova Sistemática de Registro de Imóveis", onde comenta, ilustra e ensina os procedimentos a serem adotados pelos Cartórios de Registro de Imóveis, face a nova Lei 6015/1973; ao se referir ao Registro Torrens, assim se pronuncia: "Era aguardada sua modificação com certa expectativa pelos Oficiais do Registro de Imóveis, quando da revogação do Decr.4857/1939. Eles esperavam, inclusive, a eliminação do Sistema Torrens ... O Registro Torrens é pouco usado no Brasil, pela sua complexidade e custo excessivo de um processo rigoroso. Não obteve êxito, mas, mesmo assim, existe em muitos municípios Brasileiros."

Na presente conjuntura, quando o assunto de Reforma Agrária é foco de atenções; quando vários setores, ligados ou não ao assunto, se pronunciam, e dão palpites, gostaríamos também de dar a nossa contribuição, que submetemos ao endosso da Comunidade Cartográfica Brasileira.

Tenho trabalhado em diversos casos de regularização fundiária, e, em consequência, tido oportunidade de conviver com a complexa Legislação Agrária do País; quando tivemos oportunidade também de acompanhar as diversas movimentações relativas aos Planos de Reforma Agrária, suas marchas e contramarchas. Somos de opinião que qualquer tentativa realista para a solução deste problema só será possível se for abordado, levando-se em conta os seguintes fatores:

1-Simplificação do Estatuto da Terra (Lei 4504/1964);

2-Adaptação constitucional para aplicação das desapropriações por interesse social (Dec.Lei 554/1969);

3-Criação da Justiça Agrária;

4-Cadastramento Cartográfico Rural.

Em administração, como na guerra, só o que é simples funciona.

O nosso Estatuto da Terra é bom. Cumpre simplificá-lo. A legislação Complementar, com a finalidade de resolver os aspectos de tributação, cadastramento, etc., ao invés de explicar e simplificar sua aplicação, complicou-o ao extremo; ao ponto de hoje ser quase impossível uma perfeita compreensão de seus infinitos fatores definidores de "módulos típicos", "alíquota para tributação", "grau de utilização", tipos de exploração predominante" etc.

O Decr.Lei 554/1969 que visava induzir os proprietários à regularizarem suas terras, é genial. Basicamente estabelecia a regra que, se houvesse necessidade de desapropriação por interesse social, o seu valor máximo, em área e preço, seriam aquele dado pelo proprietário, para fins de tributação, porém isto está juridicamente sacramentado (inclusive por decisão do Supremo Tribunal), como inconstitucional.

Resultado, quando se faz desapropriações (barragens, estradas, etc) o pequeno proprietário é rapidamente desalojado (não tem recursos para se manter no local, muito menos para uma disputa jurídica), enquanto que o "grande" contesta, e quando finalmente termina a demanda, a benfeitoria já está pronta e os preços das terras já serão outros, e sua parte é ressarcida pela "atual" e justa indenização.

Outro aspecto é que os assuntos fundiários são tratados nas Varas Cíveis. Quando já temos diversas justiças especializadas (trabalho, crime, eleitoral, etc); nada mais justo, dada a importância e complexidade própria, principalmente pelo aspecto cadastral cartográfico que a regularização fundiária envolve, que seja criada uma justiça Agrária própria e especializada.

Desta maneira, por ocasião da definição e sistematização desta justiça, haverá espaço próprio para o entrosamento da parte Jurídica Processual, com a Engenharia Cartográfica; de uma forma moderna e atualizada, adaptando a Legislação, para as necessárias reformulações de seus procedimentos, visando um possível e factível cadastramento rural; onde pudessem ser resolvidos os problemas de conflitos fundiários, bem como, implantados os ideais da verdadeira Reforma Agrária, justa, ordeira, e realmente capaz de modificar (para melhor) a Estrutura Agrária do País.

A pior reforma é aquela que tumultua sem resolver, e ninguém poderá reformular e dividir aquilo que não conhece.



Publicado em Revistas Técnicas em 1981